Livro desconstrói o estado atual da indústria do vinho

No seu livro “O Connaisseur Acidental”, uma Viagem Irreverente pelo Mundo do Vinho” o escritor inglês Lawrence Osborne propõe ao leitor um roteiro diferente pelo mundo de Baco. “Para descobrir o meu próprio gosto em termos de vinho”, explica nas primeiras páginas, “eu teria que jogar fora os livros e entrar no mundo do vinho e da bebida, pois o gosto só pode ser desenvolvido pela ação, o que vale dizer pelo próprio prazer”.

Na busca de um paladar mais apurado, Osborne empreende uma viagem por vinícolas européias e californianas. O livro é um conjunto de crônicas que relatam esse percurso. Aparecem nelas as dúvidas e as incertezas do autor, naturais de quem começa no mundo do vinho (e muitas vezes de quem tem experiência também) como quando degusta um Pinot Noir da Rocchioli: “Sinto um pouco de gosto de cereja cristalizada, mas isso é coisa boa? Lugar de cereja cristalizada não é em coquetel?”.

Mas a obra do britânico não se limita a um giro dedicado a aprimorar os sentidos. Mais do que isso, as suas páginas acabam dando também uma imagem interessante das transformações pelas quais passou a indústria vitivinícola nas últimas décadas.
Entre gole e gole desfilam alguns dos eventos que mais influenciaram o mundo do vinho, como a degustação realizada em 24 de maio de 1976 no hotel Intercontinental, em Paris, na qual um vinho californiano (Stag’s Leap 1973, um Cabernet Sauvignon de Napa) venceu -na opinião dos juízes, todos gauleses- monumentais tintos franceses do calibre de Mouton e Haut-Brion.

O resultado fez virar os olhos do público para o Novo Mundo e, de certa forma, dividiu os apreciadores. De um lado, os partidários da fruta, da potência (e de certa padronização e gosto internacional) oriunda das ex-colônias. Do outro, a elegância e presença do terroir, o conjunto peculiar de solo e clima de um vinhedo, tradicional do Velho Mundo.

A mídia especializada em vinhos também é abordada, com foco no seu mais importante representante, o americano Robert Parker Jr, editor da revista “Wine Advocate”. “Quando as notas que Parker concede a um vinho caem, é o beijo da morte para muitas vinícolas”, lembra Osborne.

O poder do crítico parece ter influenciado produtores, como os “garagistes” -novos e minúsculos vinhateiros da região francesa de Bordeaux, que concorrem com os poderosos Château. Na opinião do autor, eles “não são corajosos como falsamente querem parecer. São manipuladores espertos que se apropriaram do sistema de Parker, fazendo cuidadosamente vinhos hedonistas que, por certo, o Mestre vai adorar”.

As escalas de Osborne incluem vinícolas californianas, italianas e francesas. Enólogos e proprietários aportam pinceladas que dão forma ao cenário atual do vinho, incluindo um ponto muito importante: os preços, em muitos casos descabidos.

Um deles é o de Bill Cadman, da californiana Tulocay. “Antes eu trabalhava com ações. Então eu sei como são absurdos os preços dos vinhos de hoje. É uma grande fraude mesmo. A relação qualidade-preço é quase nula.”

O próprio Osborne, diante de uma carta de vinhos, se pergunta: “Você é mesmo capaz de dizer o gosto que uma garrafa de US$ 225 devia ter? Eu duvidava que aquela garrafa de Gaja de US$ 300 realmente valesse isso. Naturalmente, porém, essas perguntas são irrelevantes, pois esses preços são um jogo entre pessoas para quem o dinheiro é uma coisa fluida, não algo finito e avaliado com cuidado.” Resumindo, muita cautela: não se deixe seduzir facilmente; no universo do vinho, nem tudo que reluz é ouro.

Artigo de:
JORGE CARRARA
COLUNISTA DA FOLHA
O Connaisseur Acidental – Uma Viagem Irreverente pelo Mundo do Vinho

Autor: Lawrence Osborne
Editora: Intrínseca – (298 págs.)